EQUIDADE RACIAL NA ESCOLA PÚBLICA

Realidades e perspectivas nas séries finais do Ensino Fundamental em Cocal-PI

JÚLIA NAELLY MACHADO SILVA
JOÃO VITOR BRITO OLIVEIRA
ELENICE MONTE ALVARENGA

O Brasil possui uma das maiores populações multirraciais do planeta, destacando-se os aspectos étnico-raciais e culturais que são amplamente difundidos de forma plural. Diante disso, verifica-se a necessidade de se promover a equidade racial no território brasileiro e, para isso, a educação assume um papel fundamental na promoção do equânime direito à educação de qualidade e o respeito à diversidade da nação. Levando-se isso em consideração, o Projeto de Extensão “Equidade Racial na Escola Pública: intervenções nas séries finais do Ensino Fundamental em Cocal-PI” objetivou promover ações de sensibilização dos estudantes de 6º a 9º ano e também da modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Unidade Escolar Chico Monção em Cocal-PI, a fim de contribuir com a discussão sobre equidade racial.

Para isso, fez-se uma exposição de banner, slides e panfletos informativos, apresentando personalidades afrodescendentes e indígenas, explorando-se os aspectos relativos à equidade racial e também de gênero, de modo a estimular e motivar os estudantes diante das histórias de vida elencadas. Além disso, os alunos redigiram relatos com o auxílio dos professores de Língua Portuguesa, expondo suas visões sobre como eles compreendem o estudo de História e Cultura africana, afro-brasileira e indígena, afetando suas perspectivas, representações, expectativas e trajetórias de vida.

Observou-se que os alunos demonstraram grande interesse, principalmente quando se relacionou aspectos da cultura afro-brasileira, africana e indígenas a aspectos do cotidiano, como alimentos e comidas típicas, danças e plantas medicinais. Houve uma grande interação com os alunos, em que estes relataram o uso de plantas para fazer chás e ainda o consumo de alimentos que tenham essa origem. Além disso, alguns alunos expuseram situações em que sofreram discriminação racial. Já em relação às abordagens sobre as personalidades, observou-se que os alunos ficaram entusiasmados ao verem fotografias dessas pessoas e observarem que indígenas e negros são protagonistas de grandes feitos para a humanidade.

No que se refere aos textos produzidos, os relatos abordaram aspectos relativos à compreensão dos pontos elencados nas atividades do projeto. Por meio da análise dos textos, observou-se que houve entendimento dos alunos acerca da temática explorada. Os estudantes souberam diferenciar os termos “igualdade” de “equidade”, o que se verificou, por exemplo, no relato de um aluno do 6º ano: “a igualdade é quando todos são tratados da mesma forma, e equidade é quando dá oportunidades para quem precisa mais”.

Diante disso, concluiu-se que as atividades do projeto proporcionaram um momento de reflexão no âmbito escolar, em que os alunos puderam identificar a grande diversidade étnico-racial existente no Brasil e verificaram que alguns traços dessas culturas fazem parte do nosso cotidiano, contribuindo para a construção da identidade do povo brasileiro.

JÚLIA NAELLY MACHADO SILVA e JOÃO VITOR BRITO OLIVEIRA são acadêmicos em Licenciatura em Química pelo IFPI campus Cocal. Bolsistas do Programa de Intervenção Comunitária (PROIC – PROEX/IFPI). Integrante do Laboratório de Biologia (LABBIO). E-mails: naelly.machado15@gmail.com \ jvitorcocal@hotmail.com

ELENICE MONTE ALVARENGA Docente no IFPI campus Cocal. Docente do Programa de Pós-graduação em Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT). Integrante do Laboratório de Biologia (LABBIO). E-mail: elenice.alvarenga@ifpi.edu.br

BITCH, CRAZY and OFFERED

ANA CLARA ARAÚJO DOS SANTOS

Entre promessas de amor
o machucado no braço
tudo é tão falso, agressores
que entregam doces e flores no 08 de março.

Sabe aqueles dias que você acha que nada vai dá certo?
Que é melhor desistir, e que não tem mais jeito?
É aí que cê tem que lutar, é aí que você tem que dá o melhor de si
Até uma hora esse desastre acabar.
Mais uma mãe perde sua filha, e ninguém vence a guerra
Lamentável história de Sofia, que estuprada na favela
Mulher é agredida na rua e pega o nome de cadela
Santa Agatha, nos proteja de todo mal formado nessa terra.

Esse papo de tapa na cara iniciou com um simples palavrão
Ela ficou indecisa naquela sua relação
Seu psicológico já estava bastante abalado
Não sabia o que mais sentia após aquela privação.
Em ver o tio se tornando vilão
vendo a criança estuprada no chão
cena de filme, não traz o trauma
daquela lembrança no seu pequeno coração.
As mulheres falam de amor
Eles entendem de dinheiro
no mundo que nós vivemos
tá difícil de acreditar
naqueles que dizem ser verdadeiro
E essa é a realidade
Esses caras que não assumem suas obrigações
Falam que não vão assumir
E “obriga a mina fazer aborto”
Pera aí, repete pra eu entender melhor
Tira o ovo da boca e o nariz do pó
Faz o que cê nos deve, assume teus B.O.
Que quando a vida cobra, baby, é bem pior.
Uma jovem decide ser mãe
Ela é julgada logo após a sociedade saber
Então, um estuprador pode ser pai?
Quando as minas vão poder viver sem sofrer?
A luz do nosso corpo é tudo
“Seja mais adequada” eles dizem
Adequadas pra eles é quando estamos seminuas,
ou sem roupa na sua cama, de quatro
e no fim de tudo, somos chamadas de “Puta, Maluca e Oferecida”
E no dia seguinte, ele nos chama pro seu quarto.

Então, vamos falar da faca
que nos ataca na madruga
dizendo que nos mata
se nós não tirarmos a blusa
Infelizmente essa é a realidade
Mesmo pedindo socorro, ele vai e nos abusa
No dia seguinte, voltamos de novo com sorriso no rosto
com sangue nos olhos, mesmo com manchas no nosso corpo
sempre vamos estar na frente, prontas pra dar o troco
Ô mulher, deixa eu te perguntar, cê sabe do poder que tem?
Ô Deus, ô lua, nos guia e nos ensine a amar
Nunca deixe-nos errar, sempre nos dando força
Pra nós nunca fraquejar.
A mão balança o berço, reza o terço faz a hora
também liga trinta vezes, caso esteja preocupada
Se tiver mal pressentimento vai te pedir pra ir embora
se precisa te buscar na rua de madrugada
Antes era cozinha, mal era alfabetizada
A liberdade a ela muito tempo foi negada.
Ó pátria amada de filhos abandonados
mulheres e mães solteiras vivendo como tem dado
Ó pátria amada, fruto praticado que quer defender o ventre, não o corpo violado
Em nome da vó e da tia
Bertha Lutz, Cleópatra, Rosa Parks, Malala, Penha e Tia Ciata
Nós somos o fruto gerado do ódio que foi projetado
pois se não fossem vocês o direito das mulheres não existia
Muitas mulheres sofrem
por ser morena e cacheada
em uma batalha de rima ela é julgada
em uma roda de capoeira pela sociedade ela é discriminada
se usa roupa curta, por onde passa será mal olhada
se usa roupa larga de sapatão ela é chamada
sendo gordinha ou magrinha sempre será falada.
Um casal brigando em público
o ditado diz pra ninguém meter a colher
mas ninguém pensa que muitas das vezes
Você pode salvar a vida de uma mulher
Deus nos fez livre demais
pra viver preso em ideologia
que divide o povo, e anda pra trás
E no final, a hipocrisia
Penelope Charmosa
matou Dick Vingarista
na cama mamichula
com um papichulo especialista
Malandras, passem bem o rímel no seu olhar
até entendo vocês odiar uma pilantra trampa no mesmo emprego que você
deve ser difícil ter de aturar uma maluca
a mesma quantia que você receber

Vocês riem do nosso corpo
vocês riem do nosso cabelo
Assim como Medusa, assim como Dandara
Já é tempo de sonhar e superar nossos pesadelos
Nossa coroa é nosso cabelo
nosso trono é onde a gente quiser
nós somos nosso próprio talismã
nunca vamos esquecer o valor de uma mulher
Só lamento todas as vezes que fiquei calada vendo destroços
a cada verso, uma lembrança que me machucou, mas me fez mais forte
Eu acredito na minha sorte, eu vejo histórias que doem na alma
a liberdade não pode deixa de ser, a maldade não vai te enxergar
A luz do seu corpo é tudo, não deixe o tempo tocar
ser mulher é como um milhão de segredos
em um mar cheio de medo, tudo é teu por merecer.

Ilustração | Diego Silva Brito

PALAVRAS QUE CARREGAM HISTÓRIA

CLÊUMA DE CARVALHO MAGALHÃES

 

MUNDURUKU, Daniel. Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis, 2004, 63pp.

 

Daniel Munduruku é um escritor, educador e ativista indígena engajado no Movimento Indígena Brasileiro. Atualmente possui mais de 50 livros publicados por diversas editoras, em sua maioria literatura infanto-juvenil e paradidáticos. Recebeu diversos prêmios no Brasil e Exterior, entre eles o Prêmio Reconto da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil em 2001 por “As Serpentes que Roubaram a Noite e outros mitos”; o Prêmio Jabuti pela obra “Coisas de Índio – Versão Infantil” no ano de 2004; o Prêmio Érico Vanucci Mendes, para obras voltadas à preservação da cultura brasileira (outorgado pelo CNPq no ano de 2003); o Prêmio Tolerância (outorgado pela UNESCO), pelo livro “Meu Avô Apolinário”, em 2002. O escritor nasceu em Belém do Pará em 1964. Na sua infância, viveu entre a aldeia dos munduruku e a cidade, até deixar definitivamente a aldeia para seguir com seus estudos. Em 1987 foi para o interior de São Paulo, onde se graduou em Filosofia, História e Psicologia. Fez Doutorado em Educação pela USP e pós-doutorado em Literatura pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. É Diretor presidente do Instituto UKA – Casa dos Saberes Ancestrais.

“Palavras que carregam história” (MUNDURUKU, 2004, p. 12)[1], é assim que Daniel Munduruku se refere aos nomes de alguns lugares da cidade de São Paulo, cuja origem vem do idioma indígena. Tatuapé, Anhangabaú, Itaquera, Ibirapuera, Jabaquara, Butantã, Pirituba, Tietê, Tucuruvi, Guarulhos são alguns desses nomes “que indicam origem, eventos, emoções de tempos antigos” (p. 12). É passeando por esses lugares que, em seu livro Crônicas de São Paulo: um olhar indígena, Daniel Munduruku nos convida a descobrir os significados, a história, a memória dos seus, ou melhor, dos nossos antepassados. Sim, porque por mais que alguns procurem negar, o povo brasileiro tem uma forte ancestralidade indígena. Além dos textos escritos, o livro apresenta também ilustrações que combinam o passado e o presente, o mundo natural e o mundo moderno, a cultura indígena e a não indígena.

O primeiro local visitado e também a primeira das dez crônicas é Tatuapé (“o caminho do tatu”). Neste local o índio se depara com o grande “tatu metálico” e passa a recordar o “tatu da floresta” e o “tempo de antigamente, quando o Tatuapé era um lugar de caça ao tatu” (p. 16). Dessa maneira simples e natural, Daniel Munduruku vai contando as histórias indígenas e criando um elo entre os dois mundos: o mundo cheio de magia em que não há preocupação com o tempo ou com o dinheiro e o mundo quadrado dos “brancos” que esqueceram os sonhos. Passando pelo Anhangabaú (“o rio da assombração”), o autor chega ao Ibirapuera (“lugar de árvores”), que ele compara a uma “autêntica aldeia indígena”, não só pela presença da natureza, mas por ser um lugar circular, “pois todos os seus cantos lembram nossa transitoriedade, nos ensinando que somos parte integrante do planeta e não seus donos” (p. 23), afirma o índio.

Daniel Munduruku segue para Jabaquara (“lugar de escravos fugidos”), onde reflete sobre a escravidão a que foram obrigados inicialmente os índios e depois os negros. Critica a falsa história transmitida por livros e professores que repetem a versão do colonizador. Gurapiranga (“lugar da garça vermelha”) é uma crônica em que o autor relembra a sua infância na tribo, seus momentos de alegria e principalmente de aprendizado com a floresta e com os mais velhos. Fala também da importância dos sonhos: “Nosso espírito estava solto e podia alcançar nossos ancestrais no mundo dos sonhos. Nessa hora muita coisa nos era ensinada por eles, que contavam histórias de muito antigamente” (p. 35). Resistiremos ao desejo de abordar cada uma das crônicas, pois o leitor deve seguir os passos de Daniel Munduruku e descobrir por si mesmo o encanto de cada lugar e de cada história.

A produção literária de Daniel Munduruku é uma forma de resistência, uma tentativa de manter vivos os costumes, as crenças, a história do povo indígena. Sua ação é de um mediador intelectual entre as culturas indígenas e não indígenas por meio de sua literatura. Em Crônicas de São Paulo, o autor revela uma visão indígena da grande cidade (como sugere o subtítulo do livro). Ao explicar o significado de nomes como Butantã, que quer dizer “terra firme”, o escritor imagina histórias e situações que teriam dado origem ao nome. Segundo ele, os índios batizam os lugares “pelo fato e não para homenagear alguém, como sempre ocorre com as pessoas da cidade” (p. 51). O mesmo se aplica aos nomes das pessoas “que são colocados para tornar presente a memória dos nossos antepassados” (p. 51). Refletindo sobre esse critério de nomeação, é interessante notar um certo tom crítico quando Daniel Munduruku fala sobre o Anhangabaú, “o rio da assombração”: “Que tipo de assombração teria sido essa? Teriam visto a Iara? Teriam se assustado com a presença inquietante do Curupira? […] Ou teriam apenas se deparado com a chegada de portugueses barbudos trajando roupas estranhas, calçando botas que feriam a Mãe Terra?” (p. 19). Nesse lugar de assombração, o espírito do índio sente certa angústia: “É tudo muito assustador visto daqui. Êta lugar pesado!” (p. 21).

Daniel Munduruku busca o resgate do universo mítico e mágico da cultura indígena brasileira, por isso a linguagem nos seus livros se aproxima das narrativas orais. Suas crônicas mais parecem uma conversa no terreiro da aldeia. Embora também marcada pela formação intelectual na cultura letrada, a cultura do “branco”, essa linguagem ainda mantém viva a magia das histórias contadas pelos mais velhos. Sua literatura, portanto, não se enquadra pacificamente dentro do conceito de aculturação, no qual uma cultura considerada mais fraca acaba subjugada pela mais forte, sendo absorvida ou assimilada pela outra, condenada a desaparecer com o passar do tempo. A obra de Daniel Munduruku revela que a cultura indígena brasileira não desapareceu, não foi anulada pela cultura não indígena. Assim, seria mais adequado falar em transculturação, pois sua produção literária é híbrida, produto do intercâmbio entre a cultura indígena e a do branco.

Com a proposta de construir um novo olhar não só sobre a cidade de São Paulo, mas também sobre o homem e sua própria história, Crônicas de São Paulo é um livro que precisa ser lido e pensado em sua dimensão social, ideológica e artística. Uma obra que cumpre o papel a que se propõe a literatura indígena: o de reavivamento e transmissão dos valores tradicionais.

 

[1] Todas as citações constantes neste texto são referentes à obra resenhada. Por essa razão, seguiremos indicando apenas a página onde estas se localizam.

CLÊUMA DE CARVALHO MAGALHÃES é professora do Instituto Federal do Piauí e pesquisadora do CNPq pela Universidade Federal de Sergipe. Possui graduação em Licenciatura Plena em Letras – Português e Doutorado em História da Literatura. E-mail: cleuma@ifpi.edu.br

Ilustração | Ísis Victória Braga Domingues

BOM PRINCÍPIO DO PIAUÍ

ADRIANO LOBÃO ARAGÃO

por estes campos de areia branca
onde meninos empinam papagaios
banhados pela linha do sol
plantaram outrora estes trilhos
da estrada de ferro central do Piauí
consumidos pelo tempo e suas marcas
agora recobertos por mato terra ruas e calçadas
entre casas com suas remotas fachadas
diante da antiga estação que ainda espalha
duas cores pela praça
enquanto meninos equilibram
outras cores pelo céu

 

 

 

ADRIANO LOBÃO ARAGÃO é professor de língua portuguesa do IFPI campus Cocal. Autor, dentre outros, de Os intrépidos andarilhos e outras margens (romance) e Os tempos e a forma (poesia reunida). O poema Bom Princípio do Piauí faz parte do livro Destinerário.